segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Foto Memória de Macapá: Marinheiro, só - Um Personagem Folclórico da Cidade

Em janeiro de 2010, o jornalista amapaense Édi Prado, preparou uma matéria, publicada no Jornal “A Gazeta”, de Macapá, a partir de uma entrevista feita com “Marinheiro, só”, uma figura conhecida na cidade por só andar de branco, vestido de marinheiro. É tido como místico, uma espécie de "pai de santo", espiritualista, folclórico.
Com as devidas atualizações, reproduzimos a conversa com o legendário senhor:
Texto de Édi Prado
Falamos do Sr. Joaquim Picanço do Espírito Santo (Seu Joaquinzinho), uma figura exótica, de 91 anos, 1,70 m de altura, nascido em Macapá, no dia 15 de novembro de 1920, mais conhecido como “Marinheiro”. Os pais biológicos dele são os macapaenses, Joaquim Lino do Espírito Santo e Maria Isabel Picanço. Ele vive fardado 24 h. Menos na hora de dormir. Prefere o pijama branco, “por ser mais fresquinho”! 
Ele circula a pé pela cidade inteira vestido de marinheiro sempre a rigor portando o gorro ou casquete como ele chama. Na rua só cumprimenta os que o cumprimentam. Caminha solitário com aquelas botas negras canos longos em busca de ervas e meizinhas (remédio caseiro) para tratar as pessoas que o procuram na Seara Espírita São Miguel – Santo de Deus e Virgem Maria - que ele atende na Av. Salgado Filho, 600, no bairro Santa Rita. Ele diz pertencer à 'Linha das Ciências Ocultas de Israel'.
Na tenda humilde, existem os “pontos” no chão, símbolos semelhantes aos usados em Umbanda e Candomblé. “Cada ponto atende uma Entidade ou uma Legião usada para os mais diversos trabalhos”. Faz mistério. “Só não faço o mal. Sou um cirurgião espiritual. Curo o corpo e trato da vida espiritual das pessoas. Sirvo a Deus e ao Rei Sebastião de Israel, Rei do Mar”, diz convicto.
Seu Joaquinzinho, diz: “Já vim com a Missão Espiritual. Descobri desde gitinho”(pequeno), revela com os olhos acesos esbranquiçados, realçados pela pele negra e cabelos brancos. Na rua onde mora, recorda, era o roçado (roça) do Gardeano. Era uma floresta. Lá ele caçava, tinha roçado e aprendeu a lidar com a mata. Em 1945, durante a 2ª Guerra Mundial, foi servir à Marinha do Brasil em Oiapoque, na “guerra contra os japoneses”, como dizem os veteranos de guerra com mais de 80 anos. Na visão dele, o inimigo era o japonês. Era cabo armeiro e instrutor de armas. Tanto no manuseio quanto no conserto e reparos de armas. “Lidava com 50 homens” recorda. Atuou durante oito anos no Vapor Oiapoque. Viajou o Brasil inteiro nele. Era ágil. Com 1,70m, pesando 88 kg ele diz que saltava 1,78 m de altura. Quando acabou a guerra deu baixa na Marinha ingressou na extinta Guarda Territorial. Passou 24 anos e largou tudo para cuidar da “Missão”.
Em Oiapoque conheceu os Samaracás, negros franceses que conhecem profundamente o mundo espiritual. Sabem dos mundos encantados debaixo da terra. Foi com eles que teve o iniciado nesse Mundo Encantado. Em Clevelândia do Norte, no Oiapoque ele teve que submeter-se a uma provação: ficar um mês e 15 dias num mundo encantado embaixo da Terra. “Lá tem tudo que tem aqui em cima: Igreja com imagem do Coração de Jesus, Exército de Cavalaria do Povo de Deus, cachoeiras, rios, lagos e tudo que tem na natureza. Foi lá que aprendi os segredos do dom que Deus me deu. A fazer a operação dos milagres e saber ser orientado para a realização das cirurgias espirituais e a base das Ciências Ocultas”, narra com olhar de desafio e de vitória.
O meu tio 'Juvenço' (Juvêncio) foi e não voltou. Foi nesse tempo em que o município de Santana secou e aparecia um tufo de água”, relembra. No km 13 da BR 156 existe uma cidade encantada. Lá ele também foi “estagiar”. Nesse lugar existem homens e mulheres engalanados(enfeitados), com estrelas nas fardas e onde se concentra um dos maiores Exércitos do mundo de Israel. Têm também na Aldeia do Sá, Kamuru e Aldeia do Louro. É a cidade dos homens encantados. “Mas isso você não vai entender” e ri maroto desconversando dando tapinhas nas costas.
Ele diz ter o poder da cura através dos guias curandeiros desses mundos.  “Mas não posso cobrar nada. Não posso pedir dinheiro. Se fizer isso perco os encantos e a punição é tão grande, que é preferível a morte”, adverte-se. Perguntado como ele vive, ao lado da mulher, Marciana Ferreira, 84 anos, que estão juntos há 40 anos e não têm filhos biológicos, só os médiuns que ele orienta. Pai Joaquim diz que as pessoas que o procuram fazem oferta por livre e espontânea vontade e o ajudam com os alimentos e outras necessidades. “Mas quem não puder ou não quiser, não é obrigado. O serviço de cura precisa ser feito”, assegura. Ele prepara as garrafadas com ervas especiais para cada doença. Tem doença que o médico leva até seis meses para curar e às vezes nem cura tem para eles e aqui essa mesma doença é tratada com cura em até três meses ou menos. “Além das meizinhas tem as rezas. As que uso geralmente chegam a 330 rezas e benzeções. Mas conheço muito mais. Cuido do corpo e do espírito”, afirma. O ‘Pai Joaquim' garante que nunca foi autorizado a entrar, mas existe outro grande Exército do Povo de Israel na Lagoa dos Índios. Uma cavalaria muito grande. “Eu sei onde fica o caminho, mas não posso mostrar. E mesmo que mostrasse, ninguém vai conseguir ver”, disfarça.
Ele trabalha em sessão de cura aos sábados de 13 as 15 horas. “Aqui fica cheio de gente” orgulha-se. Revela que recebe a orientação do Dr. Diogo e do Mestre Tucupi Maiaú, Rei dos Índios, que vem com roupa de guerra. E é lá, no meio da Seara, onde existem os 'pontos' é que ele “corta o serviço”. É onde toda a ação do mau é quebrada e presa à serpente. “O mau é anulado com a força de Deus, Virgem Maria Santíssima, São Jorge Cavaleiro e o Divino Espírito Santo. O coisa feia não enfrenta, não” garante. Mas existem outros Santos que são evocados:  São Miguel Arcanjo, São Sebastião e outros, dependendo da ocasião. Ele diz que não gosta e nem aceita quem fica enganando as pessoas. “Temos que fazer o bem. Só o bem”, enfatiza. Como não tem outro emprego, não recebe pensão, aposentadoria, nem outra fonte de renda, o que ele faz é pedir que as pessoas comprem o material que será usado nas sessões de cura, as ervas e outros ingredientes, para eles mesmos.
Por ser obrigado sempre a se fardar de marinheiro, a indumentária apresenta-se rôta, remendada e não tão elegante como deve ser um marinheiro que se preza. Ele diz que aceita a 'fazenda', o pano branco de brim ou outro tecido mais duradouro. Mas ele manda fazer a farda.  Não aceita a farda pronta. “Tem uns segredinhos na confecção”.  Na casa dele, ao lado da Seara tudo é muito humilde e carente. Só três 'bicos” de lâmpadas, mesa e bancos de madeira. 
O mais interessante é um poço, de onde retira a água para consumo, no meio da cozinha. Um balde, uma corda e uma roldana são os instrumentos rústicos que abastecem a casa e a Tenda.
As poucas fardas que tem estão bem usadas e como não tem máquina para lavar a roupa, ainda precisa dos braços de D.  Marciana Ferreira. 
Ela lava, mas no período de chuva, não tem tempo de secar e tenho que usar a farda” justifica.  No dia da entrevista a equipe de corte da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) foi fazer o serviço. Ele implorou para que não cortassem a luz. Tinha muito cliente para atender e não podia fazer isso no escuro. Inútil o clamor. A equipe de reportagem pagou a conta e pediu a religação. A conta de energia cobrada pela CEA é incompatível e absurda com o consumo de alguns bicos de luz, uma bomba para tirar a água do poço e uma geladeira: R$ 133,80. “Deve de ter alguma coisa errada aqui. Tem gente que tem muito mais coisa do que eu e não paga nem a metade disso”, desabafa.
Pai Joaquim diz que deve ter um governo que cuide do povo. Que seja orientado sobre essas injustiças. “Eles gastam milhões com futebol, carnaval e outras festas e deixam cortar a energia de uma casa que vive só para fazer o bem e não cobra nada por isso. Quando eu curo aqui o hospital deixa de receber doentes. O governo precisa de gente que oriente sobre essas injustiças”. Apela aos deputados e vereadores “que reconheçam e saibam dessas pessoas, como puxadeiras, benzedeiras e casas como a minha, que atende de graça, que sofrem com a falta de água e luz porque não podem pagar”.
Diz também que tem certeza de que o governador nunca foi informado sobre essa situação. “Se ele souber ele vai dar um jeito. Mas não posso sair daqui para pedir para ele. Mas vocês podem escrever isso aí? ”  Desafiou. E o tal homem de branco, o eterno marinheiro se revelou um grandioso ser humano. Amável e gentil nas respostas e nada atemorizador, como imaginam, quem o vê rondando a cidade em busca das ervas para curar os enfermos.
Texto do jornalista amapaense, Édi Prado, publicado, no Jornal “A Gazeta”, de Macapá, em 15 de janeiro de 2010, a partir de uma entrevista feita com “Marinheiro, só”.
Título original da matéria: Marinheiro, só – ele vive num mundo encantado!
Uma foto reproduzida do Blog Seles Nafes.com  

10 comentários:

  1. ÉDI PRADO - Até eu gostei de reler a matéria. Este homem sempre me impressionou desde criança. Eu nasci no Laguinho e ele sempre ia visitar o irmão dele, o "seo"Guitinho, recém falecido. Ele metia medo na gente, porque falavam que era feiticeiro. Criança não entende esse negócio. O tom da voz das pessoas é que criavam este terror. O tempo passou e eu sempre acreditei que um dia conversaria com ele. E este dia chegou para mim, repórter. Como diz o velho deitado: matei a sede e a vontade de beber este conhecimento e me tornei um admirador dele pela trajetória de doação.

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  2. Gostei de saber da história dele, humilde e solidário!
    Valeu, Édi!

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  3. Édi Prado - O homem que atemorizou muita gente, descobre-ser um homem religioso dedicado a curar os enfermos. As aparências realmente enganam. Quem vê farda não vê coração nem a ação

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  4. Fiquei imensamente curioso. Ele ainda é vivo?

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  5. Quando era criança eu tinha muito medo dele mas hoje vejo que é um homem humilde e gente boa. Morava próximo à sua casa.

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  6. quando eu era moleque tinha muito medo desse homem, não sabia nada dele

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  7. SHOW. UM HOMEM CHEIO DE HISTÓRIA E BONDADE NO CORAÇÃO.UM VERDADEIRO SERVIÇO A COMUNIDADE ESSA MATÉRIA

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